O que aqui se conta aconteceu há bem pouco tempo, em qualquer um desses dias aqui na cidade, enquanto você ainda tomava seu café em casa, ou fazia qualquer outra coisa comum.
Não “era uma vez” nem “há muito tempo atrás” ou “em um reino tão, tão distante”. Aconteceu de verdade¹ e foi aqui em Goiânia. Apesar de parecer mentira, é uma história da maior importância que explica como começam muitas das injustiças do nosso tempo.
Para o tempo atual, todos são bandidos, criminosos, sempre culpados (até mesmo depois de provar o contrário), em um mundo real onde não existem fadas, unicórnios e muito menos mocinhos. Na verdade, sobre fadas e unicórnios ainda restam dúvidas pois ainda há quem ensine a esperarmos pela fada do dente e quem faça campanha pela não extinção dos unicórnios. Mas, sobre os mocinhos todos já sabem: eles não existem.
São seres mitológicos que nunca pisaram o mundo real. Pessoas boas, gentis e honestas, em nosso mundo atual, não passam de personagens de desenho animado, filmes ou novelas, que a gente assiste mas não acredita.
Realmente não acreditávamos, mas vamos contar o que aconteceu há bem pouco tempo aqui, e como começamos a acreditar…
Em uma bela manhã, Lúcio estava completamente imerso em seus próprios pensamentos durante um minuto de distração quando ouviu a voz de Edmundo perguntar:
– O que foi? No que você está pensando?
– No quanto ela vai ficar feliz. – respondeu Lúcio.
Os dois estavam em uma loja de móveis e haviam acabado de escolher o presente de casamento de Ana. O maior e mais bonito guarda-roupa para sua melhor amiga que também era uma excelente colega de trabalho na Corretora de Seguros, onde os três se conheceram há mais de cinco anos.
– Também acho que fizemos uma boa escolha. – concluiu Edmundo, enquanto abria a carteira e deixava à mostra, quase sem querer, os vários cartões de crédito que possuía.
– O que você está fazendo? Guarde isso. Pode deixar que eu pago. Você já não passou no seu cartão o conjunto de louças que compramos outro dia pra ela? – questionou Lúcio abrindo imediatamente a sua carteira igualmente cheia de cartões diferentes.
– Não, eu pago. Tudo bem. De qualquer maneira depois vamos dividir com o pessoal do escritório. O Roberto já avisou ontem que não tem tempo de escolher presentes e quer ajudar a pagar os que estamos comprando. E acho que o Fábio e o Antônio também vão querer participar da nossa surpresa para a Ana. – justificou Edmundo.
Enquanto discutiam sobre que cartão de crédito usar, uma das vendedoras observava tudo de longe e imediatamente suspeitou da situação correndo até o gerente e alertando sobre a presença de dois clientes com muitos cartões de crédito.
– Com certeza são cartões clonados, é melhor chamar a Polícia. – alarmou a justiceira da loja deixando gerente e, muito rapidamente, todos os outros funcionários em estado de alerta e preocupação.
Pobre moça. Ela não sabia o que dizia e nem tinha ideia do equívoco que estava cometendo. Era só mais uma dessas pessoas que tem o dom de tirar da própria cabeça a verdade absoluta sobre todas as coisas antes mesmo de observar melhor os fatos. Mas ela não fazia por mal. Só queria proteger o patrimônio da empresa. Estava sempre atenta a tudo e a todos. Nada fugia do seu olhar nem escapava dos ouvidos do gerente. Era uma justiceira, acreditava ela.
Quando Lúcio e Edmundo chegaram ao balcão do caixa, um clima estranho já havia se instaurado em toda a loja. E, menos de um minuto depois de fazer o pagamento com um dos cartões de Lúcio – que ganhou na discussão sobre que cartão passar- a polícia chegou. Um verdadeiro batalhão de homens bem armados e mal encarados.
Lúcio e Edmundo foram colocados contra a parede, e a partir daquele momento deixaram se ser pessoas comuns comprando um presente e passaram a ser suspeitos de um crime. Aliás, suspeitos não, porque não se suspeita de ninguém nessa cidade, são todos culpados. Deve ser essa a verdade que reina na cabeça da maioria das pessoas desse nosso tempo.
É essa a impressão que se tem diante do comportamento dos policiais naquele dia. Lúcio e Edmundo foram imediatamente tratados como bandidos, antes mesmo de qualquer averiguação mais cautelosa sobre o caso. Diante de dezenas de pessoas que se aglomeraram para assistir a cena, eles foram severamente algemados.
Levados até a delegacia, os dois foram submetidos a um extenso interrogatório. Todos os seus documentos foram verificados bem como a autenticidade de todos os cartões e constatou-se também que eles não tinham nenhum antecedente criminal. Mas, os policiais não acreditavam. Não se pode acreditar na inocência de ninguém hoje em dia. Lúcio e Edmundo eram culpados, se não por aquele, por algum outro crime, com certeza.
Os dois ficaram detidos por 3 horas na delegacia e nesse meio tempo a mãe de Edmundo recebeu um telefonema. A polícia ligou para questionar àquela senhora se o seu filho não era mesmo um bandido. Edmundo agradece até hoje pela ótima saúde que a mãe tem. Apesar do susto e tristeza que a abateu naquele momento, dona Cláudia não sofreu com nenhum infarto ou crise de hipertensão.
Inconformados com um episódio tão absurdo e violento contra a sua moral e dignidade, Lúcio e Edmundo procuraram o escritório Wilson Lopes Advogados em Goiânia. Wilson Lopes conhecia todas as injustiças da cidade, mas, como poucos, ainda acreditava na possibilidade de fazer o bem e agir com coerência e responsabilidade em qualquer situação.
Orientados pelo advogado, Lúcio e Edmundo entraram com um pedido de indenização em face do Estado de Goiás, que foi condenado a pagar 20 mil reais para cada um deles pelo constrangimento da prisão ilegal sofrida.
O dinheiro transformou o guarda-roupa em um quarto inteiro e todo mobiliado para Ana. Ela era uma moça simples que começou como estagiária na Corretora, e hoje é uma das principais funcionárias. É aquele tipo de pessoa tão nobre, de alma e coração puro, que faz a gente acreditar que o bem existe.
Foi dela a ideia de enviar a todos do batalhão da Polícia Militar de Goiânia, e à jovem justiceira da loja de móveis, uma mensagem especial assinada por Lúcio e Edmundo:
“Não somos culpados, mas vocês também não. A culpa é desse nosso tempo, desse mundo real que só nos mostra violência e dor. Vocês têm razões para suspeitar e devem continuar sempre de olhos bem abertos. Tem muita gente má andando solta por aí e essas precisam mesmo ser presas. Mas, ainda assim, não tenha medo e acredite em um novo tempo, em um mundo melhor onde também se possa ver mais alegria e paz. Porque a realidade aparente pode esconder boas surpresas e não só revelar maldades. Nós não somos mocinhos, mas, apesar das aparências, também não somos vilões. Agora vocês também têm razões para acreditar, e podem até fechar os olhos de vez em quando para olhar para dentro de si mesmos e ver o que tem de melhor. Tem muita gente boa vivendo presa por aqui. Liberte-as! Acredite na existência delas. Acredite e elas começarão a aparecer pra vocês. Acreditem, pois nós acreditamos.
Lúcio e Edmundo -os culpados inocentes”
Fomos testemunhas do caso, e destinatários da mensagem que agora também pode ser pra você. Foi depois de ler essa declaração sobre o que Lúcio e Edmundo acreditavam que nós começamos a acreditar também. Não nas fadas e unicórnios, porque isso ainda é demais pra gente, mas começamos a acreditar nas pessoas boas, gentis e honestas. Começamos a acreditar em nós mesmos.
Isso aconteceu há bem pouco tempo, e aconteceu aqui. Mas, às vezes, até parece que foi há séculos e em um outro mundo. Porque mudamos tanto.
Ainda não enxergamos muitos mocinhos por aí, mas o certo é que todos são inocentes até que se prove o contrário. Por isso decidimos contar essa história, para que você se lembre que a justiça é para todos e para que também comece a acreditar – em você, e nos outros.
Três razões para não acreditar em tudo, mas em muita coisa:
- apesar de ser apresentada como verdade, essa é uma história fictícia baseada em um caso real mas inteiramente enriquecida com elementos que não fazem parte do contexto original;
- Lúcio e Edmundo são nome fictícios usados para preservar a identidade dos personagens reais. Os indenizados do caso real não trabalhavam em uma Corretora de Seguros nem escreveram mensagem alguma depois do fato, mas eles realmente possuíam muitos cartões e foram presos ilegalmente;
- Ana, Roberto, Fábio e Antônio são nomes e personagens fictícios que não fazem parte da história real;
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